segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Sobre o disco Paulo Moura e Andre Sachs “Fruto Maduro” por Andre Sachs

PAULO MOURA – Fruto MadurocapafrutomaduroBF

Obstinado, seria até pouco pra falar sobre o Paulo Moura. Eu em toda minha vida nunca vi ninguém tão perfeccionista e dedicado como ele. Dotado de uma mente única, brilhante e criativa, o Paulo sempre me supreendia, dia após dia, com seu enorme arsenal de idéias músicais e seu conhecimento profundo da música e da história da música . Seu senso de humor e elegância transformava qualquer momento simples em algo muito mais profundo e agradável. Sua lógica, didática e método ao argumentar, ajudando a diminuir nossa ignorância, sobre um assunto ou outro era impressionante. Ele estudava e tocava todo dia e dizia que todos os trabalhos que ele fez e se orgulhava vieram de muito esforço e não só de inspiração. Era também muito severo com os músicos, broncas eram frequentes no estúdio mas sempre mantendo o humor e a educação. Nenhuma falha passava desapercebida pelo seu ouvido absoluto.. Chegamos ao cumulo de passar 4 meses discutindo sobre uma nota de um solo de guitarra que ele queria mudada. Eu já havia topado mudar a nota mas, isso não bastava, pois pra ele, eu tinha que entender o porque da mudança. Durante os sete anos que trabalhamos juntos nesse disco e em várias trilhas sonoras pra cinema, teatro e até um ballet fomos aperfeiçoando a nossa parceria musical e amizade. “Paulo Moura & André Sachs - Fruto Maduro” é o primeiro CD que resulta desse trabalho.
Impressionante também era a curiosidade que o Paulo Moura tinha pelo novo. Muitas vezes ele vinha aqui em casa só para escutar as novidades que eu havia comprado; discos de jazz, rock e musica eletronica contemporânea. Como eu tenho um belo aparelho de som na sala ele gostava tb de trazer discos dele pra escutar no meu som. Ele escutava tudo com uma atenção incrivel e uma curiosidade quase infantil, depois ia pro piano tentando aprender a harmonia que ele tinha ouvido...chegou a comentar que gostava dos discos da Bjork, King Crimson, John Scofield e outros que nós escutavamos... Tinha um grande prazer em mostrar ao Paulo novos sons, e ele tinha muita vontade de usar essas coisas que a gente escutava na musica que ele fazia. Trazer o Brasil pro mundo e o mundo pro Brasil misturar e depois trabalhar o resultado até obter o som que desejavamos..


Sobre o disco “Fruto Maduro”:


    Meu trabalho com o Paulo aqui no studio.taturana.com. meu estúdio caseiro, começou em 2004 quando eu ,ele e o percussionista Laudir de Oliveira gravamos a trilha sonora de um longa-metragem que acabou por não sair. Nessa ocasião o resultado sonoro foi muito interessante e descobri que a minha sala, tinha um som ótimo para a clarineta do Paulo. Alguns tempo depois acompanhei o Paulo até um show dele em Cantagalo,RJ de Tributo a Baden Powell e lá assistimos a palestra de um compositor conhecido de samba o Ney Lopes, dizendo entre outras coisas que achava um absurdo usar guitarra no samba. Quando fomos pro almoço ficamos debatendo esse assunto com os musicos; alguns concordando e outros discordando, como eu, que tenho a guitarra como instrumento principal. Certa hora, me empolguei e falei que se não podia guitarra, isso me dava vontade de gravar um disco inteiro de samba só com guitarra. Ao ouvir isso, o Paulo olhou pra mim, abriu um sorriso e falou “ Vai ver que eu acabo gravando esse disco com você...” e o resto é história. Depois ele veio a me confidenciar que até o saxofone sofreu esse tipo de resistencia na época que ele começou a gravar...e ele adorava um novo desafio.

    A idéia central do disco foi trabalhar com Ostinatos (loops) mas de maneira a deixar as divisões ritmicas Brasileiras em evidência. Trabalhar a música do Paulo dentro de um conceito mais moderno de música usando a eletronica e a tecnologia sem perder a sensibilidade a brasilidade e a beleza de sua música, ao contrário, o desejo do Paulo era usar essa tecnologia a seu favor e flertar com novos estilos pra permitir novos vôos do seu sopro mágico. Também é muito importante a presença de uma verdadeira lenda dos tambores, o mestre percussionista Laudir de Oliveira, que toca vários instrumentos diferentes em oito da dez músicas do disco. Seu profundo conhecimento dos ritmos afro-brasileiros com certeza é um fator primordial do disco.
Instrumentos Acústicos, elétricos, eletrônicos,virtuais,percussão, valvulas e computadores estão presentes em todo disco conversando entre si em arranjos e estilos variados, tocados por alguns dos melhores músicos que eu conheço, resultando numa orquestra que mistura várias gerações e sons, com o objetivo de trazer o melhor dos mundos ao ouvinte. Isso tudo para dar corpo para a maravilhosa presença de Paulo Moura e seu sopro mágico!

    É minha esperança que esta gravação mostre um lado novo e diferente de um artista já tão conhecido e admirado, que transitava fluentemente entre o erudito, o samba e o jazz, mas não parava por aí. Um gênio musical sem limites, que abriu novos rumos para o desenvolvimento da música instrumental no Brasil. Que agora sopre o vento e essa música possa ser ouvida pelo mundo.
Gostaria de Agradecer ao Paulo Moura, pela amizade sempre generosa e alguns dos melhores ensinamentos que eu tive na minha vida. Terminar o disco sem ele, mas com ele sempre presente em espirito foi uma pressão enorme. Na verdade, ele deixou quase tudo preparado em relação ao “nosso” disco antes de partir, e aquela seriedade com que ele me tratava quando trabalhavamos, e por que não, uma farta dose de obstinação minha também, tendo trabalhado muitas e muitas horas a fio, tocando, gravando, compondo, mixando e cuidando dos detalhes, sempre com ajuda desses músicos fenomenais que também participam do disco.

    Sobre os músicos, na sua grande maioria foram selecionados por fazer parte da historia do nosso querido Maestro e cada um deles também lembrava um pedacinho do Paulo trazendo seus sentimentos ,lembranças e carinho por ele ( o que inclusive me ajudou, pessoalmente e muito, a lidar com essa imensa perda.) Também a riqueza sonora que eles me proporcionaram foi de outro mundo . Em vários momentos, acredito sentíamos como que guiados espiritualmente pelo Paulo, em outras vezes, as lições que eu aprendi com ele me facilitaram o trabalho de produção que foi gigantesco. O nivel de competência e profissionalismo dos músicos envolvidos, é claro, também facilitou muito a tarefa.

     Paulo Moura ,definitivamente, foi uma pessoa muito amada por todos a quem ele tocou, e que deixou um espaço vazio enorme no nosso coração quando se foi. Felizmente sua música é eterna, e com ela ele fez o mundo um pouco melhor!

(Ah, e Paulo, antes que eu me esqueça, pode ficar tranquilo que eu já troquei aquela nota! Atrapalhava a sequencia tonal ;)



Músicas do Disco “Fruto Maduro”

“Chroma 2” (2005 Paulo Moura arr André Sachs)
Essa música tem origem numa música minha chamada “Chroma”. O Paulo ouviu esta música e perguntou se eu não podia fazer um arranjo usando aquela sonoridade mas com uma harmonia que ele então escreveu num caderno de música (veja chroma2.pdf ). A música é no andamento de 60 bpm, equivalente ao batimento do coração em repouso, Os instrumentos do arranjo tem um tratamento que faz as notas se repetirem várias vezes (delay) criando essa atmosfera e várias camadas na harmonia. Depois de gravado a base, a percussão foi gravada por Laudir de Oliveira, o Paulo gravou esse solo sensacional como segundo take , sem nenhuma emenda ou edição ,em 2009 o baixista Jorge Pescara gravou um Contrabaixo com Arco e em 2011 o Lui Coimbra gravou os Violoncellos em seu estudio particular.

Mulatas” (2004 Paulo Moura)
A primeira música que foi gravada para o disco, Mulatas é uma composição conhecida de Paulo Moura e já esteve presente com outras roupagens em outros discos do artista. Esse arranjo da partitura original que o Paulo fez no computador, que foi importada pra dentro do computador do estúdio,teve sons melhorados, numa data seguinte gravamos as clarinetas do Paulo, gravei as guitarras ,violões, e baixo. Laudir gravou as percussões, Benjamin Bentes, Gravou um baixo Fretless seguindo a partitura do Paulo, em constraste ao baixo que eu gravei que faz frases chaves novas, que acabaram por ser incorporadas a música... agora em 2010 Jovi Joviniano gravou um pandeiro novo na música.Também foi gravado um Piano de cauda com o pianista Cliff Korman seguindo o arranjo de piano do Paulo. Foi gravado também um naipe de metais (Arimatea, Marlon Sette, Rodrigo Munhoz, Rodrigo Sha) dobrando partes chave do arranjo original. Primeira a começar, uma das últimas a terminar.

“Caravan” (2004 Juan Tisol/Duke Ellington arr.Paulo Moura)
Segunda música do disco. Já que o Paulo gostou da guitarra e do tratamento nós fizemos no “Mulatas etc e tal...”, ele perguntou se eu não poderia fazer o mesmo com um arranjo que ele tinha feito do “Caravan” , com um sotaque brasileiro. Claro que eu topei! Ouvi várias versões do original e lembro que estudei um bom bocado pra tirar a música inteira da partitura.. quase um mês... o arranjo veio da partitura que ele fez no Encore gravamos uma clarineta guia... gravei a guitarra, ou algumas guitarras, Laudir gravou a percussão, depois gravamos mais clarinetas inclusive o solo que está na versão final da música. Benjamin Bentes gravou o baixo fretless de acordo com o arranjo original do Paulo Alguns meses depois o baterista César Conti gravou uma bateria. Agora em 2010 regravei toda guitarra sob supervisão cerrada do Paulo ;) e numa sessão posterior na penúltima gravação do Maestro aqui no estúdio ele regravou a clarineta (tema) inteira...posteriormente gravei o Piano com o Cliff Korman seguindo o arranjo original do Paulo. No final de 2010 Gravamos o Naipe de Metais (Arimatéa, Rodrigo Munhoz, Humberto Araujo, Marlon Sette e Bidu Cordeiro) , Gabriel Grossi gravou Gaita e Lui Coimbra gravou Violoncello, em seu próprio estúdio caseiro. Tudo nota por nota dentro do arranjo original do Paulo com alguma orquestração criativa de minha parte mesclando o arranjo da guitarra e do baixo... a idéia era uma grande viagem pelo Brasil e acredito ter atingido esse objetivo. Assim como “Mulatas” foi uma das ultimas a terminar. Disparado a mais complexa do disco...tem mais de 200 canais de audio gravados


Andina (2006 André Sachs/Paulo Moura)
Originalmente uma composição minha intitulada “Sem Mínima” por não conter nenhuma “mínima” na partitura, uma brincadeira com utilizando contagens complexas como 7/4 e 13/4 , alternando com 6/8 como base do ritmo, algo que testa a atenção de qualquer músico. o Paulo trabalhosamente reescreveu a Melodia seguindo parte da idéia original, mas elevando a música a milésima potência. Primeiro eu Gravei o Violão, Teclado e um rascunho da melodia usando um som de flauta no teclado, desse rascunho ficaram apenas algumas notas na melodia e o arranjo de flauta inicialmente gravados no Teclado. Depois trabalhamos os arranjos a mais de clarineta e guitarra e nos demos por satisfeitos. Posteriormente o Paulo chamou a música de “Andina”. Em setembro de 2010 o arranjo de flauta foi gravado de verdade por Andrea Ernest Dias. O piano foi posteriormente regravado utilizando o sistema de gravação do studio Pianobello, na Suiça... O que eu tinha gravado de piano aqui usando um teclado controlador midi com teclas de piano foi enviado via internet pro estudio do engenheiro de som Bob Hastoy e lá gravado num piano acústico e mecanizado Yamaha DSP pro mark4 que reproduziu mecanicamente todas as nuancias da meu piano, lá na Suiça.. ah... tecnologia...

Macunaíma (2004 Paulo Moura/André Sachs)
Primeira parceria musical minha com o Paulo e terceira música a ser gravada, começou de uma linha de baixo idealizada pelo Paulo que foi adicionado uma programação que eu fiz no computador usando sons de latões de lixo, pois o Paulo queria o som semelhante ao de um caminhão de lixo na praia de manhã.. (já o som é o maior luxo, rsss) depois gravamos a clarineta, guitarras, eu criei a frase de guitarra afro/cubana que carrega a segunda parte da música e o Paulo pediu para eu compor o solo de guitarra que depois ele dobrou nota por nota sensacionalmente, Laudir de Oliveira gravou percussão, Em agosto de 2010 adicionamos mais alguma percussão do Laudir. Agora em setembro de 2010 o tecladista Alex Meirelles adicionou Teclados e Samplers. Paulinho Black gravou a Bateria, que é simplesmente sensacional nessa música, Nema Antunes gravou Baixo e o naipe de metais foi gravado por Daniela Spielmann, Rodrigo Sha e Humberto Araujo

“Chorinho pra Mignone” (2005 Paulo Moura / André Sachs)
Minha segunda parceria com o Paulo... tem uma estória interessante... na época eu tinha muitos problemas de gastrite e um dia depois de tomar um chá preto na casa do Paulo, comecei a ter uma crise e quando comentei a ele que estva me sentindo mal ele disse “Ah, é...(pausa) então vamos fazer uma música..” começamos a tocar inicialmente com um harmonia muito simples (Am / G ) e eu comecei lentamente a me sentir melhor. Depois levei essa idéia pra casa, alterei a afinação do Violão (Sexta corda em Ré) e encontrei uma harmonia que me pareceu mais adequada (Am | G6/F ), que depois tb foi bastante alterada no arranjo final do violão...que apesar levemente inpirado em Jimi Hendrix e Michael Hedges, músicos que eu sempre admirei, segue um ritmo de ciranda contrastando com a Clarineta que segue no chorinho .. Durantes 3 ou 4 tardes completas, Eu e Paulo ensaiamos várias vezes e fizemos inúmeros takes ao vivo, re-escrevendo a música até chegar ao resultado final. Posteriormente adicionei a guitarra em alguns poucos trechos... e resisti a tentação de adicionar mais instrumentos, já que o som do Duo era interessante demais...


Obstinado (2006 André Sachs / Paulo Moura )
Originalmente intitulada “Groovin’” a idéia veio de uma “jam session” que eu participei no dia do meu casamento com o Laudir de Oliveira e seu amigo o tecladista Don Grusin, daí seu nome original... Primeiro, gravei um loop de bateria e as partes de baixo, guitarra e teclado, sem nenhum solo. Quando o Paulo ouviu ele gostou e gravou o solo que faz parte da música, de improviso no primeiro take. E criou mais uma linha de Clavinet que tb repete junto com o loop. Depois o César Conti gravou a bateria e o Jorge Pescara regravou meu baixo original, mas com um som bem melhor. Laudir de Oliveira e Jovi Joviniano tocaram a percussão, Cliff Korman tocou o Piano, Reyson Huguenin tocou o Didgeridoo, ou Bamboo( que é um instrumento de sopro arborigine australiano) e finalmente , conforme havia préviamente combinado com o Paulo escrevi o arranjo de metais que foi gravado com os feras, Zé Carlos Bigorna, Marlon Sette, José Arimatéa, e Bidu Cordeiro fechando com chave de ouro o arranjo..

Coquetel (2007 André Sachs/Benita Michahelles/Paulo Moura)
Algumas semanas antes do meu casamento com a Benita Michahelles (apesar de já vivermos juntos há 13 anos antes do casamento!) Eu e ela estavamos criando uma música no estúdio, era um Samba com uma harmonia de blues..eu tocando baixo ,ela piano , escrevi a primeira parte e na segunda a Benita criou uma sequencia de acordes, o B da música.. quando terminavamos de gravar harmonia, o Paulo Moura acabou aparecendo de surpresa lá em casa... ouviu a música e gravou a melodia, que ele fez na hora... junto comigo na guitarra, ambas de primeiro take. No dia seguinte o Laudir de Oliveira veio aqui e gravou a percussão. Eu adicionei teclados (orgão e metais).O sambinha agora tinha virado uma sambão..hehe, daí i César Conti gravou a Bateria algumas semana depois . No segundo semestre de 2010 o Cliff Korman regravou o piano (substituindo o original) e depois a Daniela Spielmann gravou um arranjo de sopro que nós fizemos em parceria pra essa música. Por ultimo o genial Nehemias Antunes Santos regravou o Baixo. E é só servir...

Mantenha o Groove (2006 Paulo Moura/ André Sachs)
Essa música também veio de um instrumental que eu havia gravado e é dedicada ao sensacional baterista e meu amigo de longa data, César Conti, falecido devido a um cancêr em 2009, essa música passou a se chamar “Mantenha o Groove” pois era o que ele dizia pra esposa quando soube da volta da doença, por coincidencia foi a minha direção pra ele quando ele foi gravar a excelente bateria dessa música... Começou com um acorde de guitarra e um loop... depois fiz a linha de baixo/guitarra e o Paulo gravou a sua clarineta, depois Laudir gravou percussão, Ricardo Magoo gravou Orgão Hammond, Greg Wilson gravou Violão de Aço e com a ajuda de um naipe sensacional (Zé Carlos Bigorna, Arimatea, Marlon Sette, Bidu Cordeiro) no final de 2010 completamos a experiencia sonora.. Entre os músicos vários amigos tanto do Paulo quanto do Cesinha,e não é só coincidência. ;)

Trem do Moura (2007 Paulo Moura/André Sachs)
Essa música é o meu tributo pessoal ao Paulo e começou com a linha de baixo e um loop, depois guitarras.... o Paulo gravou a clarineta Laudir de Oliveira gravou percussão e Luiz Bertoni a bateria, Ricardo Drummond adicionou o Orgão Hammond. Em seguida escrevi os arranjos conforme combinado com o Paulo na ultima vez que ele veio gravar aqui, gravei Flautas com a Andrea Ernest Dias e Saxofones com Daniela Spielmann e Rodrigo Sha , por ultimo Gabriel Grossi adicionou Gaita, Os solos do Paulo nessa música são muito solares e inspirados... pra mim a música é como um trem com vários músicos... pudemos inclusive simular um usando os instrumentos, fica a Homenagem pro Amigo e Grande Músico que nem todos conheceram mas agora todos podem ouvir.

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